sábado, 28 de fevereiro de 2009

O compositor e a burocracia

Para abrir os trabalhos, tomei a liberdade de postar essa música do Douglas Germano e Kiko Dinucci, autores da mais alta categoria.


O Retrato do Artista Quando Pede (Kiko Dinucci e Douglas Germano)

Pra sobreviver de arte em São Paulo
Tenta o Sesc, tenta o Sesc
Mas se o programador
Não for com a tua cara
Esquece, esquece

Pra sobreviver de arte em São Paulo
Tenta o Pac, tenta o Pac
Mas se acaso, no projeto
Faltar Cep
Se estrepe, se estrepe

Você gasta o que não tem no xerocão
E a tiazinha sempre diz
Que tá faltando
Um carimbinho de uma data esquecida
Assinatura com firma reconhecida

Pra sobreviver de arte em São Paulo
Lei Mendonça, Lei Mendonça
Mas se não tiver contra-partida social
Babáu, a água bebe a onça

Pra sobreviver de arte em São Paulo
Vai e tenta a Rouanet
E se o empresário fala
Em custo/benefício
Manda ele se pentear.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Capacitação

Com o perdão da palavra, essa palavra não merece perdão. Os processos amplamente utilizados sob essa denominação pressupõem a atribuição e ampliação de conteúdos necessários ao exercício de certas atividades. Não querendo fugir ao nosso tema, pretendo tecer algumas considerações sobre a aplicação dessa modalidade de treinamento no campo da educação artística e musical, mais específicamente nos chamados "Projetos de inclusão social através da arte". Em primeiro lugar, nesse contexto o conceito de inclusão já é bastante questionável e vago. Parte do pressuposto de que os excluídos estão fora de algo ou de algum lugar onde supostamente deveriam estar e que não estão porque lhes falta outro algo que os incluídos têm e que, se transmitido os tornará também, enfim, incluídos. Outro pressuposto é o de que os primeiros desejam veementemente pertencer ao segundo grupo. De forma didática a teoria dos conjuntos é clara a esse respeito quando nos expõe áreas de intersecção entre diferentes agrupamentos. Definidas as características de cada um procede-se a determinação de critérios que podem ser , por exemplo, os de identificação de semelhanças. Esta área de intersecção pode formar um novo conjunto. Diriam alguns que essa clareza matemática não é adequada a uma prática humanizada de atuação em comunidades carentes. Ocorre que não são poucos os projetos que recorrem à matemática, porém apenas nos quesitos da estatística e da visibilidade. A partir de uma postura salvacionista e atribuindo à arte um não sei quê de magia e sedução, eu diria até de profilaxia , pretendem transformar o mundo, aquele mundo mau dos excluídos, no mundo bom (melhor) através do ensino da arte (a sua, a verdadeira) aos excluídos (imput, output, insider, outsider, impossível não fazer o link...). A propósito, graças à intervenção do Governo Federal no que diz respeito à liberação de verbas algumas ONGs só muito recentemente estão adotando o regime contratual pela CLT, incluindo seus funcionários na categoria de trabalhadores. Este tema será desenvolvido em um futuro tópico e cabe aqui como introdução ao nosso assunto.
Voltemos então à Capacitação. Desde que inventaram a Ong, eu estava lá. Participei de inúmeros projetos inventados por instituições dessa natureza. Portanto minha experiência me capacita, por assim dizer, à uma ampla discussão sobre o assunto.
Os cursos de capacitação (e em alguns casos também os processos de seleção) promovidos por essas instituições chegam a ser constrangedores. Na tentativa de aliar ao ensino das artes uma preocupação social e promover a integração entre funcionários aplicam aos participantes técnicas e dinâmicas de grupo que passeiam entre a afirmação de princípios básicos judaico-cristãos de convivência e as mais recentes versões do "yes, we can! ". Uma dessas técnicas à qual fui recente apresentada chama-se "Jogos cooperativos". Sem o menor constrangimento nosso instrutor nos informou que alguns dos exercícios eram aplicados em setores e empresas com o objetivo de aumentar a produtividade. A partir daí , numa clara adaptação de modêlos norte- americanos à realidade tupiniquim passamos a representar coreografias e a recitar quadrinhas assim como: "Eu vou bem, eu vou bem, e você vai bem também! Legal, legal, legal..." e etc. Outra técnica à qual fui submetida em outra instituição, e nesse caso era um processo de seleção, pedia que preenchêssemos um desenho muito precário onde havia uma figura humana com uma mala e um balãozinho. Na mala deveríamos escrever o que carregamos e não desejamos, no balãozinho o nosso ideal. Não passei.
Chego a pensar se realmente pretendem mudar o mundo utilizando essa série de bobagens. Parece que o mundo já mudou, e pra pior pois, como compreender que educadores, sejam eles graduados ou não, admitam que esse tipo de atividade esteja realmente acrescentando alguma coisa de substancial ao seu conhecimento? Pelo menos é o que afirmam. Parece certo que um abismo de enormes proporções verticais e horizontais vem se ampliando para nos mostrar o quanto os incluídos estão afastados dos excluídos. E nesse processo, ainda que declarações dessa natureza tendam a me colocar ràpidamente no segundo grupo, devemos nos recusar a participar dessas práticas inomináveis se não quisermos colocar em risco a integridade do nosso próprio conhecimento.