domingo, 29 de novembro de 2009

Em 5 de dezembro de 2008 Caderno 2 do Estadão:

Entre 1972 e 1978, Wanderléa registrou quatro álbuns com os quais tentava se afastar da imagem da ''Ternurinha'' da jovem guarda.
"Há muita coisa legal pra gravar. É que não me deixaram. Agora não tem mais pressão de gravadora e não preciso provar mais nada", diz a cantora.

Alguém que assina o musical codinome "lallasmello" postou um comentário no meu perfil do youtube:
"Comentários toscos os seus em relação à Wanderlea...precisa se informar mais antes de emitir juizos.Cada artista tem suas peculiaridades...isso me lembrou muito a crítica purista e anti-democrática da década de 70."

E ainda lallas: "A guerrilheira Marcia Fernandes está com inveja da wandeka...aguardemos o cd da loira cantando só chorinhos."

Realmente tôsco.

É impressionante como pessoas que não conseguem nem ajudar um cego a atravessar a rua arrotam a palavra Democracia como se ela fizesse parte do seu cardápio conceitual.
Uma pequena introdução pra refletir um pouco,

"A sociedade civil moderna, que segue ao Estado moderno, funda-se no individualismo e é incapaz de fazer do homem um ser social. Impondo aos indivíduos relações competitivas e conflitivas, a sociedade civil os torna seres isolados. Seus "atos políticos" – como é o caso do sufrágio e da representação – apenas aprofundam esse individualismo, restando aos homens viver em uma situação de atomismo que os separa até mesmo de si próprios. Não há outra conseqüência senão o encontro entre o estranhamento (Entfremdung) e a alienação (Entäusserung). É aqui que a verdadeira democracia se revela como enigma resolvido e apresenta-se como aquilo que pode interromper essa seqüência: a verdadeira democracia pressupõe a comunidade, que, por sua vez, transforma os indivíduos isolados em seres sociais justamente por meio do caráter político que assumem quaisquer de suas atividades, mesmo enquanto atividades individuais. Como na Grécia antiga, a separação entre o mundo privado e o mundo público se desfaz em nome da democracia verdadeira. Este desfazimento, contudo, não teria mais o custo da liberdade. Essa, afinal, a verdadeira unidade entre o político e o social a ser propiciada pela democracia."(Rev. bras. Ci. Soc. vol.22 no.63 São Paulo Feb. 2007)


Em primeiro lugar os leitores, e nessa categoria me refiro a todos os que lêem um texto crítico, deveriam deixar um pouco de lado o seu hábito de tecer considerações em relação a atitudes e posturas públicas, no caso a expressão artística veiculada,como a uma fofoca entre vizinhos do quarteirão.
Algumas pessoas me escreveram dizendo das qualidades pessoais da cantora, de como ela teve dificuldades na vida, de como sua família é legal.
Ora, a cidadã Wanderléa Charlup Boere Salim não está sendo avaliada, julgada ou invejada por mim, como diz o Lalá. O que está sim, sendo criticado por mim é o valor estético de sua performance enquanto cantora e a sua postura política, carona que ela mesma menciona quando tenta se justificar, e não eu) exercida durante os anos 70 através da personagem Ternurinha, imagem por ela assumida e praticada e da qual ela mesma diz vir tentando, há anos, se afastar. Coisa que a tal "democracia", até mesmo a do quarteirão, autoriza. Minha condição (também muito batalhada em minha vida, e minha família também é muito legal...) de musicista e pesquisadora, me autoriza a crítica, seja na democracia ou na ditadura.
Há uma tendência generalizada de anistia, de perdão, de recuperar os perseguidos pela ditadura ou pelas patrulhas ideológicas de esquerda. O que se esquece é que os perseguidos de então ou de hoje continuam sendo os mesmos. Muito se engana quem pensa que a Jovem Guarda representava a voz dos perseguidos, muito pelo contrário, o que se estabelecia naquele momento era uma nova fase da guerra comercial entre gravadoras disputando um mercado que se revelou altamente lucrativo. E hoje quando a propria cantora afirma que:
"É que não me deixaram. Agora não tem mais pressão de gravadora e não preciso provar mais nada"
E quem disse que o "so ponho beebop no meu samba" representa a voz dos perseguidos, ora ainda bem que botaram um pouco de swing no pedaço, a começar pelo proprio Jackson.
As classes populares que então ouviam Agostinho dos Santos, Altemar Dutra e Nelson Ned, entre outros, não eram o público da Jovem Guarda.O pessoal das Escolas de Samba, não ouvia Jovem Guarda. Mas a classe média meio esvaziada e pronta para ser treinada no consumo do que estivesse na prateleira, de Rita Pavone a Beatles, não importa (TV, Rádio) uma "juvenilidade" que surgia à reboque daquela outra juventude (já com seus 20 anos de idade) que associava à canção brasileira um caráter "político". Esta outra, dita politizada, já estava se dirigindo para a militância, para os movimentos de esquerda, etc. O público ao qual se destinava a jogada comercial da Jovem Guarda tinha entre 11 e 18 anos, não era politizada coisa nenhuma. Nem teve chance de saber o que era isso! Che Guevara para nós era um guerrilheiro bonito, ditadura era um regime lá, coisa lá de cima, dos militares. É esse pessoal agora que vem falar de democracia! Um dia pintaram a cara de verde e amarelo, para saudar os "90 milhões em ação, prá frente Brasil" e mais tarde para derrubar o Collor, porque alguém mandou dizer que o legal agora era ser democrata. Geração manipulada, de cabo a rabo, pela crescente expansão do sistema de consumo.A meninada queria se divertir, mas os brinquedinhos eram muito ruins.
Tanto melhor que a cantora se declare como alguém a quem "não deixaram" escolher seu repertório, confirmando o caráter político da empresa na qual teve um papel de protagonista. Melhor ainda que faça aulas de canto, como fizeram questão de me informar, o que também confirma o fato de que o "novo" repertório exige uma preparação técnica um pouco melhor do que o anterior.
Impossível colocar fora da discussão todos os artistas da época a quem também "não deixaram" entrar na tão almejada indústria fonográfica.
E caso interesse, não sou guerilheira, mas guerreira. A minha batalha se dá em campo aberto.
Prossigo, mais tarde.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

DO PORTO AO BOTEQUIM - UM CHAMADO AO BOM COMBATE

Copiei, porque não poderia dizer melhor,de:

www.hisbrasileiras.blogspot.com
BLOG DE Luiz Antonio Simas

"terça-feira, 3 de novembro de 2009
DO PORTO AO BOTEQUIM - UM CHAMADO AO BOM COMBATE

Ando cabreiro com algumas coisas que estão acontecendo nas ruas cariocas. Aqui perto de casa, por exemplo, as notícias não são das melhores. Um botequim que costumo frequentar, o Bar do Chico, inventou uma reforma meio mandrake, que incluiu pizza no cardápio, visual moderninho, garçom de gravata e, é claro, aumento dos preços dos produtos. Botequim, já não é mais. Periga virar um playground de bêbados com rodízio de pizza depois das seis da tarde.
A reforma da Zona Portuária do Rio de Janeiro também está começando a cheirar mal [sinto um futum de bota-abaixo no ar, com o espectro do Pereira Passos circundando a Guanabara]. Os projetos que vi até agora parecem querer transformar a velha Praça Mauá numa mistura entre dois monstrengos desalmados: Puerto Madero, na Argentina, e a falecida Lapa, aqui mesmo.

Puerto Madero é quase a Barra da Tijuca platina - uma área com ambientes contemporâneos [seja lá o que for esse diabo], com uma concepção de assepsia urbana que abriga restaurantes caros, decorados de formas mequetrefes e cheios de novos ricos. Uma reforma sem caráter, eis o que me pareceu. Duvido que o fantasma de Carlos Gardel caminhe naquelas plagas.

A Lapa, por sua vez, agoniza. Virou valhacouto de adultescentes, simulacro de berço do samba, com bares que vendem bebidas por preços proibitivos e que visualmente lembram a lanchonete da entrada do Memorial do Carmo, no cemitério vertical do Caju - um lugar mais digno para se beber, diga-se.

O Nova Capela [cada vez mais Nova e menos Capela ] hoje é atração turística para uns basbaques que encaram uma ida ao velho bar como uma espécie de safari no Quênia e saem dizendo que foi uma experiência inesquecível. O Bar Brasil resiste com bravura, mas até quando?

Eu quero saber o seguinte: O poder público está escutandoos moradores da Zona Portuária? A ideia é fazer da Praça Mauá um centro financeiro que mande pro lixo a história fabulosa da região? Que venha a revitalização, mas revitalizar é criar um um marco zero de gosto duvidoso, com mais de cinquenta andares, ou recuperar a grandeza da tradição e da memória do cais e de sua gente?

Como estou encafifado com esses troços, reli dia desses um arrazoado que escrevi faz tempo sobre a agonia dos nossos botequins de fé e a necessidade quase quixotesca de se lutar pela preservação de um certo modo de vivenciar a cidade e o bar. São aquelas reflexões que, em boa parte, retomo nesse texto.

Faço isso porque esse combate me parece mais urgente do que nunca. As reformas na região do porto, misturadas ao balacobaco das obras para preparar a cidade para as Olimpíadas de 2016, me fazem ficar com um olho no cavalo, que é bonito, e outro na bosta do bicho, que fede pácas.

Vivemos, e isso não é novidade alguma, tempos de uniformização dos costumes, fruto deste tal de mundo globalizado. Em cada canto desse mundaréu, ligado por redes transnacionais de telecomunicações, as pessoas assistem aos mesmos filmes, vestem as mesmas roupas, ouvem as mesmas músicas, falam o mesmo idioma, cultuam os mesmos ídolos e se comunicam em cento e quarenta toques virtuais.

Nessa espécie de culto profano, em que a vida cotidiana é regida pelos rituais em louvor ao mercado que não é o de Madureira, o bicho pega e as ideias morrem, como outro dia morreu de morte matada o acento em ideia, sem choro nem vela e sem a dignidade de um samba do Noel.


Eu, que trabalho com adolescentes e adultos jovens, percebo que as crenças e projeções de futuro da rapaziada foram substituídas pelo pânico cotidiano - do assalto e das doenças, no âmbito pessoal, às catastrofes ambientais, na esfera coletiva. Cria-se uma lógica perversa : Como posso morrer de bala perdida, pegar gripe suína ou sucumbir ao aquecimento global, preciso viver intensamente o dia de hoje.

Ocorre que essa valorização extremada do tempo presente é acompanhada pela morte das utopias coletivas de projeção do futuro. Não há mais futuro a ser planejado. Somos guiados pelos ritos do mercado e abandonamos o mundo do pensamento, onde se projetam perspectivas e são moldadas as diferenças.
Restam hoje, talvez, duas tristes utopias individuais, em meio ao fracasso dos sonhos coletivos - a de que seremos capazes de consumir o produto tal, cheio de salamaleques, e a de que poderemos ter o corpo perfeito.


Transformam-se , nesse tempos depressivos, os shoppings centers e as acadêmias de ginástica nos espaços de exercício dessas utopias tortas, onde podemos comprar produtos e moldar o corpo aos padrões da cultura contemporânea - o corpo-máquina dos atletas ou o corpo-esquálido das modelos. É a procura da felicidade que não tem, como na esquecida e sábia canção natalina. E tome de caixinhas de Prozac no sapatinho na janela.


É aí, e eu queria falar disso desde o início, que localizo na minha cidade de São Sebastião o espaço de resistência a esses padrões uniformes do mundo global - o botequim. Ele, o velho buteco, o pé-sujo, é a ágora carioca. O botequim é o país onde não há grifes, não há o corpo-máquina, o corpo-em-si-mesmo, a vitrine, o mercado pairando como um deus a exigir que se cumpram seus rituais.


O buteco é a casa do mal gosto, do disforme, do arroto, da barriga indecente, da grosseria, do afeto, da gentileza, da proximidade, do debate, da exposição das fraquezas, da dor de corno, da festa do novo amor, da comemoração do gol, do exercício, enfim, de uma forma de cidadania muito peculiar. É a República de fato dos homens comuns - cenário não habitado pelos personagens de novelas do Manoel Carlos.

É nessa perspectiva que vejo a luta pela preservação da cultura do buteco como algo com uma dimensão muito mais ampla que o simples exercício de combate aos bares de grife que , como praga, pululam pela cidade e se espalham como metástase urbana.


A luta pelo buteco é a possibilidade de manter viva a crença na praça popular, espaço de geração de ideias e utopias - sem viadagens intelectuais, mas fundadas na sabedoria dos que têm pouco e precisam inventar a vida - que possam nos regenerar da falência de uma (des)humanidade que limita-se a sonhar com o tênis novo e o corpo moldado, não como conquista da saúde, mas como simples egolatria incrementada com bombas e anabolizantes cavalares.

O botequim é, portanto, e não abro mão do hífen, o anti-shopping center, a anti-globalização, a recusa mais veemente ao corpo-máquina dos atletas olímpicos ou ao corpo pau-de-virar tripa das anoréxicas - corpos que se confundem na doença comum desse mundo desencantado: Metáforas da morte.


Ali, no velho buteco, entre garrafas vazias, chinelos de dedo, copos americanos, pratos feitos e petiscos gordurosos, no mar de barrigas indecentes, onde São Jorge é o protetor e mercado é só a feira da esquina, a vida resiste aos desmandos da uniformização e o Homem é restituído ao que há de mais valente e humano na sua trajetória - a capacidade de sonhar seus delírios, festejar e afogar suas dores nas ampolas geladas feito cu de foca. É onde a alma da cidade grita a resistência : Laroiê !

Esse combate, amigos, é muito mais significativo do que imaginam os arautos modernosos e seus programadores visuais.

Botequim tem alma, é entidade, feito os trapiches e sobrados do cais do porto em noite de lua cheia.

Abraços"

Postado por Luiz Antonio Simas às 14:35