segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O músico que ouve

Outro dia assisti a um video-entrevista do Hermeto onde ele diz que há o músico que toca, o músico que ouve, o músico que faz entrevista, o músico que cozinha, o músico que cuida dos filhos, enfim, Hermeto defendendo a sua tese de que todos somos músicos e de que tudo é música. Extremamente confortante para alguém que, como eu, sempre desfrutou da convivência com excelentes músicos brasileiros.


Algo como: - Dize-me com quem andas e te direi quem és - traz à minha existencia um significado e um sabor maior. Longe de querer ser um "crítico musical", longe mesmo, bem longe, pois essa função está bastante e cada vez mais distorcida, a proximidade com a música e com os músicos fez de mim uma "apreciadora" com conteúdo suficiente para compreender e desenvolver um sentido pouco comum na atual realidade musical do Brasil: o de ouvinte.

Além da música criada pelos músicos posso ouvir também o que eles falam sobre suas composições, processos de criação, expectativas em relação a cada obra, suas frustrações diante da manipulação exercida pelos agentes do mercado na formação do "gosto musical", dificuldades para produzir, para estudar, para encontrar instrumentistas, intérpretes e orquestras à altura do que escrevem.

E esse último aspecto que me foi dito em conversa recente com uma grande artista brasileira que tenho o prazer de conhecer desde "a mais tenra idade" (compositora, flautista, arranjadora e produtora) ofereceu a minha "função de ouvinte" mais um dado para reflexão: imaginei o quanto deve ser angustiante para o compositor ouvir uma música dentro da sua cabeça e não encontrar músicos instrumentistas com formação e maturidade suficiente para interpretá-la.
E eu pensava nisso no exato momento em que desfrutava de uma posição especial: eu estava entre um piano e uma bateria tocados, eu enfatizo: tocados - porque por mestres, por dois músicos que dedicam toda a vida a criação musical. Minha satisfação ali, ouvindo aquele som sem a intermediação de amplificadores e mixers e surrounds, a bem dizer, um som acústico, numa brincadeira de "gente grande", teve um efeito cujas proporções eu nem pretendo avaliar. Satisfação, é a palavra, e basta.

Depois de ouvir a qualidade fica impossível escutar a quantidade.

Eu me considero uma ouvinte de qualidade e essa condição também exige dedicação e esforço constante. Além de tudo, lidar com a dificuldade de "reconhecer-se como tal querendo ser como o qual" exige uma boa dose de autocrítica. Um amigo muito querido e músico excelente costuma dizer que: "para ser Einstein não basta mostrar a língua".

Nenhuma infelicidade nisso, muito pelo contrário. Acredito que minha inteligência está em procurar pela excelência. Eu a encontro nos lugares certos, fora da mídia, acima da média.
Como público ouvinte procuro ir até o lugar onde a música de alta qualidade acontece, mesmo que seja na sala de visitas de algum amigo da adolescencia que continuou perseguindo essa trilha, eles abrem os caminhos e eu passo por lá. Eu me eduquei para isso.Não tenho nenhum problema ao fazê-lo pois sei que eles também precisam de mim e desejam meus ouvidos curiosos e preparados, faço a minha parte, sempre foi assim. A satisfação maior é confirmar que o som continua sendo bom, cada vez melhor, e que eu estou atenta.

Portanto, ouvintes, vão à luta! Procurem por eles porque eles estão procurando por nós.

Dedico essas palavras e pensamentos a todos nós e em especial a Léa Freire e Azael Rodrigues.