terça-feira, 13 de julho de 2010

A Divina Increnca

Finalmente algo que justifica a primeira frase no cabeçalho deste blog: "O músico como ser pensante".
Há exatos 4 dias ouço quase que ininterruptamente (rítmica palavra) o CD a Divina Increnca.

A história toda é muito bem contada por Lucas Rodrigues de Campos no http://so0jornal.wordpress.com/jazz/divina-increnca/ :

"A Divina Increnca [DI] não foi só uma banda, nem um disco, foi além. Um conceito que extrai ao máximo o significado do título de um livro que encantou Azael, logo que este leu uma resenha na Folha de São Paulo escrita por um amigo dos tempos de universidade. Alexandre Marcondes Machado (1892 – 1933) encarnou Juó Bananére para registrar a italianada paulistana dos anos 20, as bellas figlia lá do Bó Ritiro, e (porque não?) para almejar a Gademia Baolista de Letras. Da vanguarda de 1922 para a segunda metade da década de 70: um estudo ao âmago do fazer música. Azael Rodrigues, baterista da banda define: “Divina Increnca era uma síntese do som do grupo. O nome é/era perfeito porque expressa a tensão dos contrários e faz essa brincadeira com o que é iconoclasta, o Divino”. Divina seria o som mais refinado, mais respeitoso para eruditos ranzinzas, e a “Increnca uma vontade de explorar, de tocar de forma jazzista”.

Azael Rodrigues passou pelos bancos do Depto. de Música da ECA. Digo "passou" porque ele, com toda a sua agilidade de grande baterista e pensador, nem siquer foi arranhado pelas garras da tutela do então diretor Olivier Toni: "Eu ficava me coçando querendo fazer alguma coisa, falando com todo mundo, mostrando meus temas no violão". De lá ele tirou o que de melhor havia: contato com as obras de Varèse, Ives, Cage, Cowell, a turma toda do dodecafonismo, eletro-acústica e etc, nas aulas do Willy Corrêa e a grande sacada humorística do Premeditando o Breque. Aulas e grupo que eu frequentava como ouvinte.
Azael Rodrigues e Felix Wagner fizeram a dupla Divina Increnca que mais tarde agregou Rodolfo Stroeter (deixo aos leitores o prazeroso trabalho de busca na web,qualquer Google resolve essa questão).



"Like a message in a botle"...sexta-feira, 26 de maio de 1978, ainda sem o Rodolfo, aparecem aqueles meninos no palco do Masp. No programa, papelzinho cor de rosa, mostraram a que vieram:



Passagem meteórica pela pequena aldeia conservadora e reacionária da grande cidade S.Paulo. Um verdadeiro luxo em meio ao lixo cultural do momento onde a inteligentzia paulistana só saía de casa depois de ler a coluna do JT que, diante da evidência, não teve como não indicar.

O caminho percorrido pela a Divina Increnca era previsível, nas palavras de Azael: Leve, ele se apresenta, te envolve, dá o bote e se manda. Bem ao estilo da época onde a evasão e a ordem de dispersar não era privilégio das passeatas e como bem respondeu Tom Jobim à pergunta de um jornalista: "Qual é a saída para o músico brasileiro?" Tom respondeu: " O aeoporto". De 1978 a 81 lotaram teatros onde os deixavam tocar.
O inesperado foi o lançamento do CD, 26 anos mais tarde, mantendo a capa do Miécio Café, o poema do Juó Bananére, o trabalho cuidadoso em cima de cada criação musical e o delicioso e lúcido texto de Azael : "Crônica da busca da batida perfeita".

Além da música que tem ressoado da minha janela durante os últimos 4 dias, para total perplexidade dos moradores deste condomínio de classe média onde vivo, o que tem ocupado meu pensamento é a questão do envolvimento com o trabalho musical. Os garotos do A Divina, e em especial o Azael, tinham um compromisso visceral com o que criavam. Minha experiência pessoal passa por um tremendo insight que ocorreu num desses shows do a Divina quando ouví a bateria totalmente melódica e vibrante, mudança total de conceito, dialética, nada de esperar a bola da vez do solo, música viva o tempo todo. O incômodo, a encrenca é exatamente essa: lançado ao mar em 78, aquele papelzinho cor de rosa do Masp é muito mais que uma mensagem, é uma bomba na consciência cansada e acomodada da música que percorre os teatros e CDs de hoje:  modismos bem comportados  à espera de um público que reage à altura do que se apresenta: amortecidamente. Tudo muito bem acondicionado, direitinho, equilibradinho. Uma críticazinha aqui, outra alí. Uma carinha bonita estampada e bem vestida pela griffe da hora, uma vozinha educada, um mocinho meio rebelde, um espaçozinho light, legal...é isso aí, laiáraiá, e vamu que vamu...
Azael lembra-me outro dia do Itamar saindo de dentro de um enorme ovo no palco. Sodades de Zan Paolo.